quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Pism I ( Parte 4 )

Autores sugeridos para o PISM I:


Guimarães Rosa


 Guimarães Rosa, considerado um dos mais importantes escritores brasileiros, trouxe para a literatura vocábulos, expressões, ditados populares, aforismos conhecidos, muitas vezes, somente nas regiões interioranas em que o autor, em expedições a cavalo, percorria a fim de se munir de saberes e costumes intimamente sertanejos. Essas pesquisas serviram de base para a construção de obras reveladoras não só do sertão geográfico, paisagem típica de muitas localidades do Brasil, mas, sobretudo, da alma humana, complexa e cheia de veredas. Rosa, portanto, alçou o regional ao universal, afinal, como consta em Grande Sertão: Veredas: "o sertão é do tamanho do mundo”.



Biografia de João Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa, mais conhecido por Guimarães Rosa, nasceu no dia 27 de junho de 1908, na cidade de Cordisburgo, Minas Gerais. Viveu nessa região interiorana, onde o pai era juiz de paz, vereador e comerciante, até 1918, período que cursou os estudos primários. Posteriormente, aos 9 anos de idade, mudou-se para a casa de seus avós maternos, situada em Belo Horizonte. Nesse novo lar, teve a forte influência de seu avô, que era médico, escritor, filósofo e professor, o que contribuiu para que o então menino se encantasse pelas letras e pelo conhecimento.

Na capital mineira, cursou Medicina na Faculdade de Minas Gerais (atual UFMG), formando-se em 1930. Nessa fase, foram publicados seus primeiros contos na revista O Cruzeiro. Depois de formado, exerceu a profissão em Itaguara, município de Itaúna, interior mineiro, onde permaneceu por dois anos, sendo motivo de apreço na região, pois atendia seus doentes a cavalo pelas fazendas e sítios da zona rural.

Enquanto exercia a medicina, iniciou o processo de escrita literária, sendo agraciado em 1936 com o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras pela coletânea de poemas Magma. Essa obra, que ganhou a premiação em primeiro lugar, só foi publicada postumamente, em 1997.


Características literárias de João Guimarães Rosa

ambiente interiorano em que nasceu Guimarães Rosa, em Cordisburgo, cidadezinha cercada por morros, vales, fazendas, rios e por uma população típica do meio rural, com suas lendas, tradições e costumes, contribuiu para que Rosa constituísse um imaginário fundamental para a construção de seus enredos.

cenário rural, que serve de espaço geográfico para o desenrolar de suas narrativas, porém, não o situa como um escritor meramente regionalista, circunscrito à representação dos espaços interioranos de Minas Gerais. Conforme o próprio escritor afirma, em uma das entrevistas que concedeu, “todos os meus livros são simples tentativas de rodear e devassar um pouquinho o mistério cósmico”.

Essa tentativa de desbravar e de desvendar o mistério cósmico faz com que o espaço físico descrito em obras como Grande Sertão: veredas esteja a serviço da exploração das dimensões filosóficas e psicológicas da condição humana, o que faz com que a obra tenha um caráter universal. Os conflitos, as tensões, as angústias, ou seja, as dimensões psicológicas, sociológicas e antropológicas que envolvem os personagens, colocam-nos em um patamar de universalidade.

Guimarães Rosa acompanhou comitivas de boiadeiros no interior de Minas Gerais, o que serviu de inspiração para muitas de suas obras. [1]
Guimarães Rosa acompanhou comitivas de boiadeiros no interior de Minas Gerais, o que serviu de inspiração para muitas de suas obras. [1]

Essa tentativa de configuração de enredos universalistas é auxiliada pela linguagem, que se torna um recurso altamente expressivo. Nas palavras do próprio autor, “o idioma é a única porta para o infinito”, e, com o intuito de adentrar essa porta, Guimarães Rosa portou-se como um verdadeiro arqueólogo da língua. Em suas incursões pelos sertões, como quando acompanhou a comitiva do boiadeiro Manuelzão – personagem da vida real transposto para a literatura no conto “Manuelzão e Miguilim”, presente na obra Corpo de Baile (1956) –, Rosa fez inúmeras anotações de expressões, termos, dizeres típicos das pessoas que ia encontrando em suas andanças pelos interiores do país.

O aspecto linguístico dá autenticidade à caracterização dos personagens de Guimarães Rosa, os quais são próximos da realidade daqueles homens e mulheres do interior do país. O próprio escritor afirma que “todos os meus personagens existem. São criaturas de Minas: jagunços, vagueiros, fazendeiros, pactários de Deus e do Diabo, meninos pobres, mulheres belas”.

Veja também: Rachel de Queiroz – autora representante da geração de 1930

Obras de Guimarães Rosa

Obras publicadas em vida

  • Sagarana (1946)
  • Corpo de Baile (1956)
  • Grandes Sertões: Veredas (1956)
  • Primeiras Estórias (1962)
  • Tutameia - Terceiras Histórias (1967)

Obras póstumas

  • Estas Estórias (1969)
  • Ave, Palavra (1970)
  • Magma (1997) – livro de poemas

Sagarana

Sagarana, livro de contos publicado em 1946, é a primeira obra publicada do escritor Guimarães Rosa. Constituída por nove contos, ao longo de cada um deles se narra a realidade do sertão e do sertanejo. Sagarana” é uma palavra composta, em que “Saga” vem dos mitos germânicos, e “rana” é um sufixo tupi-guarani que quer dizer “semelhante, parecido com”.

Em cada uma das nove narrativas, o autor explora técnicas que lembram as fábulas medievais, as sátiras e romances greco-romanos, além de apresentar contos que lembram estruturas narrativas modernas. No plano linguístico, o autor explora as possibilidades de cada palavra, buscando tanto os seus sentidos mais arcaicos como os possíveis significados criados a partir de palavras compostas por meio de neologismos. Assim, cada palavra é como um desafio a ser enfrentado pelo leitor, que deve sempre questionar os sentidos de cada termo, os quais não são empregados aleatoriamente pelo autor.

O primeiro conto do livro intitula-se “O burrinho pedrês”, inspirado em um fato acontecido na região em que Guimarães Rosa nasceu: o afogamento de um grupo de vaqueiros em um córrego cheio.

No segundo conto, “A volta do marido pródigo”, narra-se a história de um mulato que abandona o trabalho, negocia a própria mulher e vai para o Rio de Janeiro. Em “Sarapalha”, terceiro conto do livro, dois primos disputam a mesma mulher em uma região assolada pela malária.

No quarto conto, intitulado “Duelo”, tem-se a história de Turíbio, personagem que surpreende a mulher, Silvana, com o ex-militar Cassiano. Por engano, porém, ele mata o irmão desse amante.

Minha gente” é o título do quinto conto, em que se narra, em primeira pessoa, uma história de amor contextualizada em um cenário movimentado pelo clima das eleições. No sexto conto, intitulado “São Marcos, narra-se uma travessia pelo sertão, marcada pela descrição do cenário típico dessa paisagem brasileira.

Em “Corpo fechado”, sétimo conto de Sagarana, narra-se a história de Manuel Fulô, que ama mais sua mula de estimação do que a sua noiva, cobiçada por um valentão. Para salvar a noiva das garras do homem que a deseja, Manuel Fulô entrega a mula a um feiticeiro para fechar o seu corpo e enfrentar com sucesso seu adversário.

No oitavo conto, intitulado “Conversa de bois”, o leitor acompanha, por meio da narração, uma viagem de um carro de bois. O inusitado é que nesse conto os animais falam e raciocinam.

O último conto do livro, intitulado “Hora e vez de Augusto Matraga”, foi considerado pelo próprio autor como o melhor da seleção de nove contos que compõem a obra. O protagonista da narrativa, Augusto Matraga, é um homem truculento, poderoso e autoritário, espelho do típico homem que detém poder nas instâncias governamentais do Brasil.


Poemas de Guimarães Rosa

Guimarães Rosa escreveu um único livro de poesia, intitulado Magma. Essa obra, apesar de escrita em 1936, só foi lançada em livro postumamente, em 1997. Veja três poemas desse livro:

Alaranjado

No campo seco, a crepitar em brasas,
dançam as últimas chamas da queimada,
tão quente, que o sol pende no ocaso,
bicado
pelos sanhaços das nuvens,
para cair, redondo e pesado,
como uma tangerina temporã madura…

Verde

Na lâmina azinhavrada
desta água estagnada,
entre painéis de musgo
e cortinas de avenca,
bolhas espumejam
como opalas ocas
num veio de turmalina:
é uma rã bailarina,
que ao se ver feia, toda ruguenta,
pulou, raivosa, quebrando o espelho,
e foi direta ao fundo,
reenfeitar, com mimo,
suas roupas de limo…

Amanhecer

Floresce, na orilha da campina, esguio ipê
de copa metálica e esterlina.
Das mil corolas,

saem vespas, abelhas e besouros,
polvilhados de ouro,
a enxamear no leste, onde vão pousando
nas piritas das acácias amarelas.

Dos charcos frios
sobem a caçá-los redes longas,
lentas e rasgadas de neblina.
Nuvens deslizam, despetaladas,
e altas, altas,
garças brancas planam.

Dançam fadas alvas,
cantam almas aladas,
na taça ampla,
na prata lavada,
na jarra clara da manhã…

Observa-se, nesses três poemas do livro Magma, a ocorrência de imagens ligadas à natureza, o que remete o leitor a paisagens bucólicas do interior, ambiente a que Guimarães Rosa esteve muito ligado. Além desse aspecto temático em que a natureza é destacada, nota-se uma outra característica muito comum nas obras do autor: a seleção de palavras derivadas de outras, como “ruguenta” e “reenfeitar”. Esse processo evidencia-se principalmente na obra Grande Sertão: veredas.


Academia Brasileira de Letras

Em 1963, Guimarães Rosa foi eleito para a Academia Brasileira de Letras com a unanimidades dos votos, sendo o terceiro ocupante da cadeira de número 2. Sua posse, porém, deu-se somente em 16 de novembro de 1967. Tragicamente, três dias depois de sua posse, sofreu um infarto, que resultou em sua morte.

Frases

“As pessoas não morrem, ficam encantadas.” (Grande Sertão: veredas)

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” (Grande Sertão: veredas)

"Tudo é e não é..." (Grande Sertão: veredas)

"...universinho nosso aqui. Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!" (Grande Sertão: veredas)

"Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso…" (Grande Sertão: veredas)

"Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente – o escuro, escuros." (Grande Sertão: veredas)

"Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda parte lambendo o prato…" (Grande Sertão: veredas)

"O sertão é do tamanho do mundo." (Grande Sertão: veredas)

"Mas a natureza da gente é muito segundas-e – sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor." (Grande Sertão: veredas)

"A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado…" (Grande Sertão: veredas)

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas" (Grande Sertão: veredas)

Créditos da imagens

[1] Domínio Público | Arquivo Nacional

[2] Luis War Shutterstock


Fonte: https://www.portugues.com.br/literatura/joao-guimaraes-rosa.html

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